"Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos"

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18/10/12

Uma história de cão!

 Era uma vez... era uma vez. E era uma vez.. quantas vezes... era uma vez. Às vezes é que não podia ser uma vez. Numa dessas vezes encontrei um cão. Era um cão que falava, como acontece às vezes. Até se podia dizer: era uma vez um cão que falava.
 - Queres dizer-me alguma coisa?, perguntei-lhe.
 E ele disse: - Desde quando é que os cães falam?
 Olá, pensei, este é um cão filósofo. Os cães que não ladram são todos assim: põem-se a pensar. Eu é que não estava para pensar, como ele. Nos nossos dias, já só os cães é que pensam. Conheci alguns cães filósofos, como aquele; mas nenhum me tinha feito perguntas. E comecei a minha história: era uma vez um cão filósofo. O cão era preto. 
- Como te chamas?, perguntei-lhe.
 - Cão.
- Olá! Um cão que se chama cão! - Assim não, cão, disse-lhe eu.
 E ele ladrou-me. Não se pode falar a um cão como se ele fosse um cão. Um cão só é cão quando rói um osso. Também podia começar de outra maneira: Era uma vez um cão que roía um osso. Mas então seria apenas um cão; e o meu cão era filósofo. Eu é que já não sabia o que pensar. E para ver se ele pensava, perguntei:
 - Desde quando é que os cães falam?
 O cão ficou a pensar. Quando um cão pensa, parece que está na Lua.
 - Tira as patas da Lua, disse a dona do Universo. Não vez que não limpaste as patas?
 Bom, pensei: aí está... porque é que a lua está tão suja, quando é noite de Lua cheia. Foi um cão que lá pôs as patas, e depois se deitou. Mas o que é que queriam? Um cão da Terra tinha de sujar a Lua. 
 - Mas eu não venho da Terra, disse-me o cão.
 - És um cão do universo?, perguntei-lhe.
 Ele riu-se. Era a primeira vez que eu via um cão a rir. E então recomecei a história: era uma vez... a primeira vez que eu via um cão a rir.
 - É verdade que os filósofos também se riem?
 O cão disse-me: 
 - Aqui tens a prova.
 Também nunca tinha visto um cão ensinar a pensar. Quando se vê um cão, só pensamos que estamos a ver um cão. Dizemos coisas banais: estende a pata; vai buscar o osso; não ladres para o carteiro. O cão deve pensar que somos parvos, ou romancistas russos. Estende-nos a pata; corre até ao fundo da sala para nos trazer o osso, que voltamos a atirar para o fundo da sala para onde ele volta a correr para nos trazer de volta o osso; e só no que diz respeito ao carteiro, não nos obedece, e continua a ladrar. O problema do carteiro é que ele nunca dá nada ao cão. Também, ninguém escreve a um cão. Mas se cada um de nós escrevesse ao seu cão, e o carteiro lhe desse a carta, o cão ficaria satisfeito. Abocanhava a carta, ia para o seu canto, e enquanto mordia o papel já não ladrava ao carteiro.
 - Mas o que hei-de eu escrever a um cão?, pensei.
 O problema, quando se escreve a um cão, é que ele não nos responde. A não ser que seja o cão que está na Lua. Esse, sei eu de fonte segura que sabe ler e escrever. O problema é este: como mandar uma carta para a Lua? Já a ideia de escrever para a Lua é complicada; e quando se acrescenta a isso escrever para o cão que está na Lua, torna-se impossível. Mas não há nada impossível quando se tem pela frente um cão que fala; pior ainda quando esse cão que fala é um cão filósofo. No entanto, pensei, se nós conseguimos ladrar, como os cães, por que é que os cães não hão-de falar, como nós? Esta ideia fez-me pensar.
 - Para isso é que servem as ideias, disse-me o cão.
 E eu fiquei a pensar: 
 - Mas nós pensamos porque temos ideias, ou temos ideias porque pensamos?
 - Estás a ficar filósofo, disse-me o cão.
 Era uma vez um cão que me obrigou a pensar. Também não é todos os dias que se tem pela frente um cão que fala; nem são todos os cães que vêm da Lua, como este cão. Às vezes, porém, tropeçamos na Terra com coisas que vêm da Lua. Conheço pessoas que já tropeçaram  no luar; pessoas que começaram assim a namorar. Também conheço pessoas que só olham para o chão, para não terem de ver a Lua. Têm medo que a dona do Universo lhes grite:
 - Quem é que sujou a minha Lua?
 - Não fui eu, foi o cão!
 Mas a dona do Universo não acredita neles; e mete-lhes nas mãos uma vassoura para eles varrerem a Lua da cabeça. Por isso é que andam de cabeça em baixo, com o peso da Lua dentro deles, e a vassoura às voltas, sem limpar nada, porque nenhuma vassoura na Terra lhes consegue limpar a Lua da cabeça. Por isso é que é importante ouvir o que um cão tem para nos dizer. Não é todos os dias que um cão vem ter connosco e nos pergunta quem pôs os peixes no mar? Sobre isto, cada um pode dar as suas opiniões; mas ninguém as dá a um cão.
 - E se ele não gosta, e morde?, dizem uns.
 - E se ele não morde, e gosta?, suspiram outros.
 Se uma opinião fosse como um osso, o cão podia agarrá-la, roê-la, e chupá-la até ao tutano. 
 - O que está a fazer aquele cão?, pergunta-se.
 - Está às voltas com uma opinião. Quando isso acontece, o melhor é deixá-lo. O pior que pode acontecer é o cão largar a sua opinião; e ficamos com ela, sem saber o que fazer. Ele olha-nos, à espera de uma festa, ou de um biscoito, ou que lhe abramos a porta da rua. Mas a dona do universo está à espera disso. Ela não gosta que os cães tenham opiniões, e menos ainda que as roam, que as chupem até ao tutano, e que as larguem da boca para que as apanhemos. O problema com os cães que falam é que não conseguem engolir a sua opinião. E quando a dizem, temos de a aceitar. Por isso, era uma vez um cão que me deu a opinião dele. E eu abri-lhe a porta. Ele saiu. Estava uma noite de Lua cheia.
 - Quem é que sujou a minha Lua?, gritou a dona do universo.
 E o cão ladrou-lhe. Não se pode gritar a um cão que acabou de nos dar a sua opinião. A dona do universo zangou-se, pôs uma vassoura às costas do cão, e pô-lo na Lua. 
 - Agora vais limpar a minha Lua.
 E é lá que ele continua, arrastando a vassoura, à espera que a dona do universo veja a Lua arrumada e o mande de volta para a Terra. Mas um cão não pode falar, quando está na Lua. Por isso, todos os cães da Terra se calam, com medo que a dona do universo lhes ponha uma vassoura às costas e os mande a todos para a Lua. O que eles fazem, à noite, é ladrar à Lua, para que o cão que fala os possa ouvir, e nos volte a dar a sua opinião. Era uma vez um cão que só se chamava cão. E quando isso acontece, era uma vez... era uma vez...

Tiago Monteiro, 5ºD

1 comentário:

Isabel Preto disse...

Parabéns, Tiago...Estás-me a sair um grande filósofo!

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