30/11/17

Manuel António Pina e A Conta de Somar

Uma conta de somar

sensível às coisas belas

pôs-se a contar as estrelas

numa noite de luar.


Estava ela a olhar o céu

somando infinitamente

quando uma estrela cadente

luziu e desapareceu...


Com uma parcela cadente

não estava a conta a contar!

Que fazer? Passar à frente?

Contá-la? Não a contar?


Fazer de conta que não

se dera conta de nada?

Mas, e depois, a adição?

Não daria conta errada?


E quando ela fosse dar

contas à prova dos nove?

Ia a prova acreditar

em parcelas que se movem?


E a conta achou-se a contas

contemplando o céu sereno

com um problema terreno

difícil de resolver.


A solução que encontrou

foi terra-a-terra também:

quando um problema não tem

solução já se solucionou...


E, contas feitas, a conta

decidiu fazer de conta...

Estava a contar estrelas,

não a tomar conta delas!


Fingiu, pois, que não deu conta

da escapadela da estrela,

afinal a vida dela

não era da sua conta!



Só que enquanto fazia

tais contas à conta dela

a manhã amanhecia

e apagavam-se as estrelas.


Nasceu o sol, fez-se dia,

e o quadro negro do céu

aonde a conta fazia

contas desapareceu...


 
Nunca antes uma conta

teve tanto que contar

como a conta de somar

que quis contar as estrelas!


                   Manuel António Pina, Pequeno Livro da Desmatemática

"A triste história do zero poeta", de Manuel António Pina

Numa certa conta havia
um zero dado à poesia
que tinha um sonho secreto:
fugir para o alfabeto.

Sonhava tornar-se um O
nem que fosse um dia só,
ou ainda menos: só
o tempo de dizer: «Oh!»

(Nos livros e nas selectas
o que mais o comovia
eram os «Ohs!» que os poetas
metiam nas poesias!)

Um «Oh!» lírico & profundo,
um só «Oh!» lhe bastaria
para ele dizer ao mundo
o que na alma lhe ia!

E o que na alma lhe ia!
Sonhos de glórias, esperanças,
ânsias, melancolia,
recordações de criança;

além de um grande vazio
de tipo existencial
e de uma caixa que o tio
lhe pedira para guardar;

e ainda as chaves do carro
e uma máscara de entrudo...
Não tinha bolsos, coitado,
guardava na alma tudo!

A alma! Como queria
gritá-la num «Oh!» sincero!
Mas não passava de um zero
que, oh!, não se pronuncia...

Daí que andasse doente
de grave doença poética
e em estado permanente
de ansiedade alfabética.

E se indignasse & etc.
contra o destino severo
que fizera dele um zero
com uma alma de letra!

Tanta ambição desmedida,
tanto sonho feito pó!
E aquele zero dava a vida
para poder dizer «Oh!»...

29/11/17

Uma maneira diferente de viver Ulisses


Pelas mãos da fabulosa contadora de estórias, Joaninha Duarte, revivemos a lindíssima e grandiosa obra de Maria Alberta Menéres: Ulisses....