"Ser pobre e satisfeito é ser rico. E bastante rico."
William Shakespeare
"Havia uma árvore naquele Natal. Não tão
grande e frondosa como outras, mas estava pejada de enfeites e tesouros e
resplandecia de luzes. Havia presentes, também. Alegremente embrulhados
em papel vermelho ou verde, com etiquetas coloridas e fitas. Mas não
tantos presentes como de costume. Eu já tinha reparado que a minha pilha
de presentes era muito pequena.
Nós não éramos pobres. Mas os tempos eram
difíceis, os empregos escassos, o dinheiro à justa. A minha mãe e eu
partilhávamos uma casa com a minha avó e com os meus tios. Naquele ano
da Depressão, toda a gente espaçava refeições, levava
sanduíches para o trabalho e ia a pé para poupar nos bilhetes de
autocarro. Anos antes da Segunda Guerra Mundial, já vivíamos no
dia-a-dia, como muitas outras famílias, o que então se iria ouvir como slogan: “Usa-o, aproveita-o ao máximo; faz com que funcione, ou passa sem ele.”
Havia poucas escolhas. Compreendia pois
porque era tão pequeno o meu monte de presentes. Compreendia, mas
sentia, ainda assim, uma ponta de pesar à mistura com um complexo de
culpa. Sabia que não poderia haver surpresas empolgantes naquelas poucas
caixas vistosamente embrulhadas. E sabia que uma delas tinha um livro. A
minha mãe arranjava sempre um livro para mim. Mas nada de vestidos
novos, camisolas ou um roupão acolchoado e quentinho. Nenhum dos
miminhos tão desejados na altura do Natal…
Havia uma caixa com o meu nome da parte
da minha avó. Guardei-a para o fim. Talvez fosse uma camisola nova,
talvez um vestido — um vestido azul. A minha avó e eu gostávamos ambas
de lindos vestidos e de todas as tonalidades de azul. Soltando os
devidos “Ohs” e “Ahs” ao ver a aromática barra de sabonete feito de mel,
as luvas vermelhas, o já esperado livro (um novo da Nancy Drew!),
rapidamente cheguei àquele último embrulho. Dei por mim a sentir uma
centelha do entusiasmo do Natal… Era uma caixa bastante grande. Com
vergonha de mim mesma por ser tão gananciosa, por esperar receber um
vestido ou uma camisola (mas esperando na mesma!), abri a caixa.
Meias! Só meias! Soquetes, meias altas,
até mesmo um par daquelas meias horrorosas de algodão branco que estavam
sempre a escorregar e se enrodilhavam em volta dos joelhos.
Esperando que ninguém tivesse dado conta
do desapontamento, peguei num dos quatro pares e agradeci à minha avó,
com um grande sorriso. Ela também sorria. Não com o seu sorriso educado e
distraído de “Sim, querida,” mas com o seu sorriso feliz e radiante, de
“Isto são coisas importantes para uma mulher!” Será que me esquecera de
alguma coisa? Olhei de novo para a caixa no chão — nada, a não ser as
meias. Só que agora eu conseguia ver que havia outro par por debaixo do
que eu tinha pegado. Duas camadas de meias. E mais uma! Três camadas de
meias!
A sorrir de verdade, comecei a retirá-las
da caixa. Meias cor-de-rosa, meias brancas, meias verdes, meias de
todos os tons inimagináveis de azul. Toda a gente estava a olhar, rindo
comigo, enquanto eu atirava as meias ao ar e as contava. Doze pares de
meias!
Levantei-me e dei um abraço tão apertado à
minha avó que até nos doeu às duas. “Feliz Natal, menina Joan!” disse
ela. “Agora, todos os dias, terás muitas escolhas a fazer. Estás rica,
minha querida! ” E era verdade. Naquele Natal e durante todo o ano,
todas as manhãs, eu escolhia do meu elegante armário da roupa interior
qual o par de meias a usar. E sentia-me rica. E ainda sinto!
Mais tarde, a minha mãe disse-me que a
minha avó tinha andado a esconder aquelas meias durante quase um ano —
poupando todas as moedinhas, comprando um par de cada vez. Um dia, tendo
visto um lindo par de meias azuis com as beiras elásticas bordadas à
mão, ela pedira mesmo ao compreensivo vendedor para deixar um sinal a
reservá-las durante três semanas.
Dentro daquela caixa estava embrulhado um ano de amor.
Foi um Natal que eu nunca esquecerei.
A prenda da minha avó mostrou-me como as pequenas coisas podem ser importantes.
E como o amor nos faz a todos imensamente ricos."
Joan Cinelli
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